A PROVA DA MORTE E A CERTIDÃO DE ÓBITO

A PROVA DA MORTE E A CERTIDÃO DE ÓBITO

                              A Prova da Morte e a Certidão de Óbito

                                                              (*) José Hildor Leal

Lendo a crônica "Um mundo de papel", do impagável Rubem Braga, na qual o autor critica com singular sarcasmo a burocracia nas repartições públicas, relatando acerca de um suplente de vereador que ansioso por tomar posse no lugar do colega morto encontrou resistência enquanto não apresentasse a certidão de óbito do defunto, ao argumento que "a prova do falecimento é a certidão de óbito", lembrei-me que discutimos, outro dia, sobre o assunto.

É possível admitir-se inventário e partilha, por escritura pública, sem certidão de óbito do autor da herança, desde que o tabelião reste convencido da morte, até por ter visto o morto, ao vivo (não resisti), ou sem chegar a tanto, mesmo por informação dos herdeiros?

Tem gente que gosta de velório, de ver o morto, de tocar o defunto, enfim, de comprovar se está mesmo morto. Eu não gosto. Prefiro ver a certidão de óbito.

Dentre os que defendiam a possibilidade da escritura sem certidão de óbito, um colega informou que teve o título devolvido pelo registrador de imóveis, qualificando negativamente a escritura por não haver nela a informação sobre o registro donfalecimento. E outro, por seu turno, narrou que a escritura feita por ele, sem referência ao documento, foi registrada, sem problemas.

Estará certa ou errada a escritura pública de inventário e partilha sem existência do registro de óbito do autor da herança, comprovado pela respectiva certidão?

Entendo que para os efeitos legais, e entre eles a realização de inventário, administrativo ou judicial, a morte somente se prova com a certidão de óbito, passada pelo oficial do registro civil do lugar do falecimento, nos termos da Lei 6.015/73 (art. 77), ou então por justificação perante os juízes togados, nos casos de pessoas desaparecidas em campanha, naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, sem que se encontre o cadáver para exame (art. 88).

Afinal, lei é lei, e a prova da morte se faz pela certidão de óbito.

O resto é literatura.


(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário

INVENTÁRIO SEM ASSISTÊNCIA CONJUGAL AO HERDEIRO

INVENTÁRIO SEM ASSISTÊNCIA CONJUGAL AO HERDEIRO

                     Inventário sem Assistência Conjugal ao Herdeiro

                                                                    (*) José Hildor Leal

Um assunto que tem gerado interpretação desencontrada, entre notários e registradores, além de outros profissionais do direito, refere-se à necessidade ou não de vênia do cônjuge do herdeiro, nos inventários feitos por escritura pública.

Os que entendem ser sempre indispensável haver a participação do cônjuge do herdeiro, para anuir no ato, o fazem com fulcro nas disposições do art. 1.647, do Código Civil brasileiro, ao estabelecer que nenhum dos cônjuges, exceto no regime da separação de bens, pode praticar os atos ali elencados sem vênia conjugal.

Para esses, não havendo a intervenção do cônjuge, por denegação do consentimento, sem motivo justo, ou pela impossibilidade de anuir, a escritura somente pode ser feita com suprimento judicial, com fundamento no art. 1.648 da lei civil.

A resposta, porém, contrária a essa tese, se encontra na Resolução n° 35/2007, do Conselho Nacional de Justiça, com força normativa em todo o País, ao dispor que “os cônjuges dos herdeiros deverão comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der no regime da separação absoluta” (art. 17).

Assim, se o herdeiro não for casado pelo regime da separação absoluta, será exigida a outorga do cônjuge apenas quando houver renúncia de herança, ou partilha que importe em transmissão, sendo dispensada nas demais hipóteses.

Logo, ao tratar-se de escritura de inventário pelo qual o herdeiro vai receber quinhão igual ao dos demais co-herdeiros, não havendo renúncia e nem partilha que importe em transmissão, é absolutamente dispensável a vênia do cônjuge do herdeiro, qualquer que seja o regime de bens.

Contrariamente, se o herdeiro renunciar aos seus direitos na herança, ou se fizer cessão, gratuita ou onerosa, total ou parcial, ou ainda, que a partilha envolva algum tipo de transmissão, então se fará obrigatória a anuência do cônjuge, ressalvadas as exceções de lei.

Tabelião, especialista em direito registral imobiliário.​

O CONTRATO DE NAMORO NO FANTÁSTICO

O CONTRATO DE NAMORO NO FANTÁSTICO

                                    O Contrato de Namoro no Fantástico                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

                                                                (*) José Hildor Leal

A Rede Globo de Televisão apresentou no Fantástico, no dia 04 de novembro de 2018, uma reportagem tratando do contrato de namoro, pelo qual os parceiros buscam, através de acordo estabelecido por escritura pública, afastar direitos inerentes à união estável.

Em palavras simples, é como se dissessem publicamente que embora sejam namorados, a intenção é apenas e unicamente namorar, sem compromissos, sem responsabilidades de um para com o outro, sem obrigações ou direitos recíprocos.
 

Há muito o assunto é discutido na doutrina, com reflexo especialmente junto aos tabeliães de notas, com prós e contras, tanto que em 14 de março de 2012, ou seja, no mínimo seis anos antes do Fantástico exibir a reportagem, foi publicado no Blog do Colégio Notarial do Brasil, Conselho Federal, um pequeno texto que escrevi e que poderá melhor esclarecer a quantos tenham  interesse no assunto, estando disponível no link abaixo:   

 http://blog.notariado.org.br/notarial/contrato-de-namoro-em-cartorio 

Havendo paciência, boa leitura!

(*) José Hildor Leal - Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário

PERMUTA E BARGANHA

PERMUTA E BARGANHA

 

Permuta e Barganha

(*) José Hildor Leal

Muitas vezes não consigo acreditar no que leio, mas também não dá para duvidar, porque está mesmo escrito, com todas as letras, símbolos e sinais, bem diante dos meus óculos cansados.

Agora mesmo li que o dono de um terreno na Avenida Paulista, que custa um olho ou até os dois olhos da cara, poderia trocar o imóvel por uma bicicleta sem rodas, que não vale um tostão furado, sem compensação pelo prejuízo, sem torna, sem reposição para equilibrar o negócio, sem nenhum problema, assim no mole, pau-a-pau, taco-a-taco, mano-a-mano, porque numa barganha um perde, e o outro ganha.

É duro, mas foi o que li.

Na verdade, a troca envolveria um imóvel no valor de razoáveis R$ 161.500,00 por outro de módicos R$ 590,91. O texto dizia, ainda, ser irrelevante o valor.

Ulpiano (120 a 180 d.C.) já dizia que “sine pretio, nula venditio” (sem o preço, não há venda).

Tratamos aqui de permuta de imóveis, negócio jurídico ao qual se aplicam as regras da compra e venda, com pequenas modificações, a exigir para sua validade a forma pública e participação de um notário, bem longe da informalidade das negociatas de ocasião.

O que diferencia a permuta da compra e venda é o preço atribuído a cada bem: se o percentual em dinheiro for igual ou superior a 50%, o negócio será de compra e venda.

Arnaldo Wald esclarece: “Se a parte principal do negócio for pagamento em dinheiro, estará sujeito às normas referentes à compra e venda. Se, ao contrário, a troca representar a parte mais expressiva do negócio, aplicáveis ao caso serão as normas a ela atinentes”.

Para Orlando Gomes “Pelo critério objetivo do maior valor, será compra e venda se a parte em dinheiro for superior à outra; será troca, em se verificando o oposto”.

No mesmo caminho segue Clóvis Beviláqua, para quem “pelo contrato de permuta as partes se obrigam a dar uma coisa por outra que não seja dinheiro”, além de Maria Helena Diniz, Paulo Nader, Sílvio de Salvo Venosa, para citar somente estes dentre tantos e gabaritados doutrinadores, por séculos e séculos, ou no mínimo desde Ulpiano até aqui.

Mas é ainda pior. Tem gente dizendo que a permuta de imóvel nem precisa ser por outra coisa, que poderia ser de coisa por não coisa, como trocar um terreno, que é coisa, por serviço, que não é coisa, ignorando que somente será permuta quando se tratar de coisa por coisa, como vimos.

E mais, tem tabeliães dando curso a escrituras nestes moldes, e registradores de imóveis acolhendo escrituras assim.

Não pode!

Gabriel José Pereira Junqueira também esclarece que “não há troca quando um dos contratantes presta ou executa um serviço por um objeto”. Claro, pode haver negócio, mas não será permuta.

Troca, ou permuta, envolve coisa por coisa, bem por bem de valor igual, ou sendo de diferentes valores, com reposição, ou torna em dinheiro, que necessariamente será menor que 50% do imóvel de maior valor – do contrário será compra e venda - buscando o equilíbrio do negócio jurídico, a exigir comutatividade, ou seja, prestações recíprocas e perfeitamente equivalentes.

Isto é permuta. O resto é barganha.

 

* Tabelião de Notas, Especialista em Direito Registral Imobiliário

QUANDO O BRASIL GANHOU A GUERRA

QUANDO O BRASIL GANHOU A GUERRA


Quando o Brasil Ganhou a Guerra

(*) José Hildor Leal


Vovó Maria andava por ali, como quem não quer nada, fazendo de conta que varria o pátio, bisbilhotando a rua com o rabo do olho pra ver se vinha algum conhecido para um dedinho de prosa. "Será que chove, não chove, que frio, que calor"… Essas coisas.
Mas naquele dia havia uma novidade. Vovó, ainda que um pouco surda, tinha escutado que o Brasil ganhou, e por isso estava louca pra espalhar a notícia que os netos ouviram no rádio, sem lhe dar maiores explicações. “Ninguém liga pros velhos” – se queixaria depois.
Corria o Ano da Graça de 1970 de Nosso Senhor Jesus Cristo, como alguns notários escrevem nas escrituras, nas consagradas escrituras públicas. Ainda ontem vi uma.
Rádio, naquele bucólico retiro da minha infância – meu Cerro Branco querido – era coisa praticamente de outro mundo. Lá em casa tinha um, na Linha Negra nenhum, na Serraria não sei, na vila alguns poucos. Aliás, na vila já tinha até televisão – umas duas ou três, se dizia de boca cheia.
E vovó por ali, impaciente, até que de repente vinha subindo a rua o velho e bom Gabriel, com o seu inseparável machado aos ombros, rumo ao mato, buscar lenha pro fogão, que aquele 21 de junho era um bocado frio, no Rio Grande.
O diálogo que se travou foi bem esse que lhes conto, sem tirar, nem por, até porque não sou de tirar, ou por, assim sem mais, nem menos. Muito antes pelo contrário.
– Boa tarde, “Siá” Maria!
Antes de prosseguir o relato preciso abrir parênteses para dizer que a única pessoa que conheci, em toda minha já longa vida, a utilizar a expressão “siá”, corruptela de sinhá, foi o velho e bom Gabriel.
– Boa tarde, “Seu” Gabriel! – Respondeu vovó, e foi logo alardeando a novidade:
– Sabe que hoje o Brasil ganhou da Itália?
Demonstrando certa incredulidade, o ancião foi enfático:
– Mas, “Siá” Maria… Eu nem sabia que o Brasil `tava em guerra!…
Por um momento reinou um constrangedor silêncio entre ambos, cada qual coçando a própria cabeça, com ares de preocupação, até que distraidamente tomaram seu rumo, meio que sem rumo, vovó pra dentro de casa, que a noite chegava a galope, e ele aligeirando o passo, buscar lenha pro fogão. 
Com certeza num outro dia retomariam a prosa, então com assuntos mais amenos, tipo "chove, não chove, que frio, que calor"… Essas coisas!


(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário
 

PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL E ISENTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL E ISENTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

Procuração Irrevogável e Isenta de Prestação de Contas

                                                   (*) José Hildor Leal

Na atividade de notas verifica-se que um certo ato, feito em um cartório, tem a sua lavratura recusada em outro, em prejuízo à credibilidade dos serviços notariais, gerando uma sensação de insegurança ao usuário, que não sabe qual dos tabeliães está agindo conforme a lei.
A título de exemplo, as procurações pelas quais o outorgante, em caráter irrevogável, concede poderes ao mandatário para que este faça a venda de determinado imóvel a quem quiser, pelo preço e condições que ajustar, isento de prestação de contas, são lavradas alguns cartórios, e não são admitidas em outros.
Nós não aceitamos fazer procuração nestes moldes.
A resposta à negativa se acha no Código Civil brasileiro, em seus artigos 653 a 691.
O procurador não poderá isentar-se de prestar contas ao mandante quando ficar a seu critério contratar, com quem quiser, significando não ter ainda havido negócio, e por consequência, não ter sido pago o preço.
Ora, assim que for feita a venda e recebido o preço, deverá o procurador prestar contas de sua gestão ao mandante – art. 668.
Todo e qualquer mandato - exceto a procuração em causa própria - é passível de revogação, sendo de tal modo despicienda a cláusula que trata da irrevogabilidade, salvo com relação a perdas e danos – art. 683 – não ao negócio em si.
Para que fique o mandatário isento de prestar contas deve ser indicada a pessoa a quem vai ser transmitido o imóvel, isso por que, sem essa ressalva, o procurador teria livre arbítrio para vender a quem quisesse, pelo preço que estipulasse, como se a coisa fosse sua, e ficar para si com o produto da venda, caracterizando enriquecimento ilícito, ou doação camuflada feita a ele pelo mandante, ou mesmo compra e venda disfarçada numa procuração.
E seja o negócio que for que esteja oculto no procedimento, é por certo ausente a comunicação ao fisco, seja municipal, estadual ou federal, não devendo o tabelião, como profissional do Direito, dar guarida a negócios que escondam outro negócio, à margem da lei.


* Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário

ADJUDICAÇÃO DE BENS DO ESPÓLIO POR CESSIONÁRIO

ADJUDICAÇÃO DE BENS DO ESPÓLIO POR CESSIONÁRIO

                            Adjudicação dos bens do espólio por cessionário 

                                                                           (*) José Hildor Leal

Desde a entrada em vigor da Lei 11.441/07, tornou-se possível a realização de inventário e partilha por escritura pública, desde que não exista testamento e os herdeiros sejam maiores e capazes, além de serem todos devidamente assistidos por advogado, ou defensor público.

A lei em comento foi regulada pela Resolução nº. 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, interessando aqui o art. 16: “É possível a promoção de inventário extrajudicial por cessionário de direitos hereditários, mesmo na hipótese de cessão de parte do acervo, desde que todos os herdeiros estejam presentes e concordes”.

A redação do dispositivo tem gerado dúvidas, muitos defendendo ser impossível a promoção do inventário pelo cessionário, mesmo em caso de adjudicação pelo único sucessor, sem a presença dos herdeiros na escritura.

O entendimento é equivocado. A adjudicação de todo o patrimônio por terceiro cessionário é sempre possível, sem participação dos herdeiros, pela correta leitura que se deve fazer do texto, pois “é possível a promoção de inventário extrajudicial por cessionário de direitos hereditários”, conforme a primeira parte do artigo.
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Aplica-se esta assertiva na hipótese de cessão, por todos os herdeiros, do acervo total, posto que o cessionário fica sub-rogado nos direitos dos herdeiros cedentes, apto a adjudicar, cabendo-lhe com exclusividade promover o inventário, como se herdeiro único fosse, não sendo caso de partilha, mas de adjudicação (art. 26 da Resolução).

Deixa de haver tal exclusividade do cessionário se a cessão não for total, isto é, quando um ou mais herdeiros não cedem, ou ainda que todos façam cessão, que não seja ela da totalidade dos bens do espólio, remanescendo com direitos à partilha, caso então em que se aplica a segunda parte do art. 16, com a seguinte leitura: “havendo cessão de parte do acervo, também é possível a promoção do inventário por cessionário, com a participação dos herdeiros”.

Portanto, o cessionário pode sempre promover o inventário. A cessão o legitima a isso, ressalvando-se que não tendo adquirido 100% dos direitos, os herdeiros devem participar com ele do inventário e partilha, para que cada qual receba o que lhe vai caber por direito. Por outro lado, tendo se tornado o único sucessor, com a aquisição da totalidade dos direitos hereditários, adjudicará os bens, sem necessidade de nova assinatura daqueles que lhe cederam, por força da escritura pública pelo qual houve tais direitos. Não fosse assim, a escritura não teria o valor que tem.

Não esqueça: cessão de direitos hereditários somente pode ser feita por escritura pública. Não vale de outra forma, nem mesmo por termo nos autos, manifestada ao juiz do inventário. A renúncia de herança é que pode se dar por manifestação ao juiz, por termo nos autos do processo judicial. A cessão, jamais.

E não se pode confundir renúncia e cessão, esta última sempre nula se não se fizer em notas do tabelião, seja o inventário judicial ou administrativo.

(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário

A PERMUTA DE IMÓVEIS E O ITBI

A PERMUTA DE IMÓVEIS E O ITBI

                                A PERMUTA DE IMÓVEIS E O ITBI

                                                           José Hildor Leal (*)

Com o objetivo de esclarecer os registradores de imóveis, o Colégio Registral e o Instituto de Registro Imobiliário do Rio Grande do Sul, emitiram a Nota Conjunta 003/2018, orientando acerca do registro das escrituras de permuta de terreno por unidades futuras.

Ao tratar do aspecto registral, a nota não fez referência ao imposto de transmissão, o que se pretende desenvolver neste breve estudo, em razão dos entendimentos contraditórios entre notários e registradores quanto ao ITBI.

Antes de mais nada, não custa lembrar que permuta é a troca de coisa por coisa, e assim sendo, se não for troca de coisa por coisa, seja coisa atual ou coisa futura, permuta não será.

Muitas vezes se percebe confusão em negócios que devam ser tratados como permuta, quando são designados equivocadamente como sendo compra e venda, empreitada, ou outras modalidades estranhas ao contrato que verdadeiro reflete o tipo.

Na lição de Orlando Gomes, “pelo critério objetivo do maior valor, será compra e venda se a parte em dinheiro for superior à outra; será troca, em se verificando o oposto”.

Há liberdade na atribuição do valor de cada bem trocado, mas se impõe seja seguido o princípio “major pars ad se minorem trahit”, ou seja, venda, se a parte em dinheiro é superior; troca, se é o valor do imóvel.

Também não se pode confundir as hipóteses em que a contrapartida não for outra coisa, mas serviço, a exemplo da empreitada, caso em que não se tratará de permuta, que exige coisa por coisa.

Maria Helena Diniz ministra que “o objetivo da permuta há de ser dois bens; se porventura um dos contraentes, em vez da coisa, prestar um serviço, não será troca”.

Não é o título que vai caracterizar a espécie negocial, podendo ser compra e venda, empreitada, etc. embora erradamente intitulada como permuta.

O tabelião, encarregado de formalizar o ato, deverá averiguar se a tratativa entabulada atende os requisitos à sua caracterização, e uma vez tratando-se de negócio diverso ao que sugerem as partes, atribuir a nomenclatura correta ao ato, observando inclusive a questão tributária, em razão da responsabilidade solidária pelo pagamento de impostos nas operações que der curso.

Tratando-se de permuta de imóvel por imóvel, a toda evidência que incidirá ITBI sobre o valor atribuído pelo fisco a cada um deles, podendo, quando se tratar de bem atual (terreno) por coisa futura (unidades pendentes de construção), haver ITBI unicamente sobre o lote, se ainda não se encontrar registrada a incorporação, postergando-se o recolhimento do ITBI relativo às unidades futuras para o momento da contraprestação da permuta.

O certo é que tratando-se de negócio oneroso sempre haverá ITBI, sobre ambos os imóveis, na permuta, ainda que o proprietário do lote tenha reservado fração ideal à que irão corresponder as futuras unidades, porque se não incidir imposto sobre a fração ideal do terreno, por certo será ele devido com relação às unidades dadas em contrapartida.

Ora, na permuta haverá sempre recíproca transmissão de propriedade de A para B, e de B para A, sob pena de não ser permuta, mas compra e venda, ou empreitada, ou outro negócio que não seja troca.

Assim, em toda permuta haverá incidência de ITBI sobre o valor das coisas permutadas, sendo imóveis, e nos casos de troca de terreno (coisa atual) por unidades futuras, em nada se modificará o imposto sobre o que for efetivamente objeto de troca, tenha ou não o proprietário do lote reservado fração de terreno – unicamente sobre essa fração de terreno não haverá tributação – porque haverá tributo sobre a área construída pelo incorporador ao proprietário do lote, havendo assim transmissão de propriedade, nos termos do artigo 39 da Lei 4.591/64.

Claro, pode ocorrer que não exista transmissão das unidades pelo incorporador, ou construtor, ao proprietário do terreno, mas então não será hipótese de permuta, nem de compra e venda, mas de empreitada (artigos 610 e seguintes do Código Civil brasileiro), lembrando que se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono.

Em resumo, em todas as trocas de terreno por unidades futuras, deverá ser pago o imposto de transmissão – ITBI – com relação a todos os bens permutados.

(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário

AGORA PRECISA CPF PRA CASAR?

AGORA PRECISA CPF PRA CASAR?

                                    Agora Precisa CPF Para Casar?

                                                   José Hildor Leal (*)

Sim, agora precisa. 

Ao contrário do que escrevi em 30 de julho de 2009, com o título “Não Precisa CPF pra Casar”, que pode ser lido em http://blog.notariado.org.br/registral/nao-precisa-cpf-pra-casar, agora ninguém mais casa sem CPF.

Na época – e lá se vão quase 10 anos - teci duras críticas quanto à exigência feita pelomtitular de um cartório de registro civil, que sem fundamentação legal exigia CPF para fazer o casamento de um amigo meu com uma donzela. E ela não tinha CPF.

Meu amigo, ansioso por matrimoniar-se, insistiu que a noiva não precisava CPF pra casar, mas não tinha jeito do noivo convencer o homem do cartório, que estava irredutível.

Foi daí que ele veio falar comigo, para ver se eu teria alguma solução para o caso, e eu disse a mesma coisa que ele já tinha dito no cartório. “Não precisa CPF pra casar”.

De fato, virando e revirando a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Processo Civil, quaisquer outros códigos, regulamentos, normas e consolidações, nada havia.

Mas, o Direito é dinâmico, já ensinava o Professor Antônio Maria de Freitas Iserhardt, lá nos meus tempos de estudante, e cada vez mais dinâmico.

O que era ontem, hoje não é mais, e amanhã não se sabe o que será, pois se antes não precisava CPF pra casar, agora não se casa sem CPF, porque agora a lei o exige.

A exigência passou a vigorar desde a edição do Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, do Conselho Nacional de Justiça, dispondo o seguinte:

 “Art. 6º: O CPF será obrigatoriamente incluído nas certidões de nascimento, casamento e óbito”.

Quer dizer, agora não tem escapatória. O sujeito precisa ter CPF para casar, para nascer, para viver, e até mesmo para morrer.

Que Deus o livre.

(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário

O DIREITO E A TORRE DE BABEL

O DIREITO E A TORRE DE BABEL

                                        O Direito e a Torre de Babel

                                                      (*) José Hildor Leal

O Direito pátrio tem andado muito torto, cada vez mais parecendo uma verdadeira Torre de Babel, onde ninguém se entende.

Tenho acompanhado com perplexidade uma série de pareceres, interpretações e decisões que contrariam a lógica jurídica, dando razão ao que escreveu Lênio Luiz Streck, ao citar Machado de Assis, para falar sobre o que é isto – a interpretação do Direito no Brasil. Onde está escrito X, leia Y.

É sabido que aos maiores de 70 anos de idade somente é (era) permitido casar pelo regime da separação obrigatória de bens, por imposição do artigo 1.641, II, do Código Civil brasileiro, cujos efeitos são diferentes do regime da separação convencional de bens (artigo 1.687), inclusive no que se refere à ordem de vocação hereditária (art. 1.829).

Enquanto a separação total pode ser convencionada por escritura pública de pacto antenupcial, a quem é dado fazer a opção pelo regime patrimonial, a exemplo de que tem menos de 70 anos, a separação obrigatória se diferencia – ou se diferenciava - pela comunicação dos bens havidos na constância do casamento, em razão da Súmula 377, do STF.

Pois recente decisão, primeiro do Estado de Pernambuco, depois seguida pelo Tribunal de Justiça no Estado de São Paulo, onde foi autorizado o prosseguimento de um processo de habilitação para casamento para o qual foi apresentada escritura pública de pacto antenupcial, adotando o regime da separação obrigatória mas por ela afastando a incidência da Súmula 377, do STF, sob o entendimento de que o direito sumular não é norma cogente, podendo ser afastada pela vontade dos consortes, de modo a não haver nenhuma comunicação patrimonial.

É bem complicado, porque o primeiro texto do vigente Código Civil trazia expresso que no regime da separação obrigatória não haveria comunicação de aquestos, vale dizer, dos bens havidos na constância do casamento. Mas isso foi extirpado do texto aprovado.

Assim, pela nova interpretação que está surgindo e ganhando corpo, onde está escrito separação obrigatória, leia-se separação convencional. Ou então, onde está escrito X, deve ser lido Y.

E quem disse que a nova interpretação, depois de décadas e décadas de uma leitura totalmente oposta, não está correta? Afinal de contas, como diz o adágio popular, obrigado é pau de arrasto.

Imagino que somente nova manifestação do STF, pelo sim ou pelo não, poderá pacificar definitivamente a questão.

(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário