QUANDO O BRASIL GANHOU A GUERRA

QUANDO O BRASIL GANHOU A GUERRA


Quando o Brasil Ganhou a Guerra

(*) José Hildor Leal


Vovó Maria andava por ali, como quem não quer nada, fazendo de conta que varria o pátio, bisbilhotando a rua com o rabo do olho pra ver se vinha algum conhecido para um dedinho de prosa. "Será que chove, não chove, que frio, que calor"… Essas coisas.
Mas naquele dia havia uma novidade. Vovó, ainda que um pouco surda, tinha escutado que o Brasil ganhou, e por isso estava louca pra espalhar a notícia que os netos ouviram no rádio, sem lhe dar maiores explicações. “Ninguém liga pros velhos” – se queixaria depois.
Corria o Ano da Graça de 1970 de Nosso Senhor Jesus Cristo, como alguns notários escrevem nas escrituras, nas consagradas escrituras públicas. Ainda ontem vi uma.
Rádio, naquele bucólico retiro da minha infância – meu Cerro Branco querido – era coisa praticamente de outro mundo. Lá em casa tinha um, na Linha Negra nenhum, na Serraria não sei, na vila alguns poucos. Aliás, na vila já tinha até televisão – umas duas ou três, se dizia de boca cheia.
E vovó por ali, impaciente, até que de repente vinha subindo a rua o velho e bom Gabriel, com o seu inseparável machado aos ombros, rumo ao mato, buscar lenha pro fogão, que aquele 21 de junho era um bocado frio, no Rio Grande.
O diálogo que se travou foi bem esse que lhes conto, sem tirar, nem por, até porque não sou de tirar, ou por, assim sem mais, nem menos. Muito antes pelo contrário.
– Boa tarde, “Siá” Maria!
Antes de prosseguir o relato preciso abrir parênteses para dizer que a única pessoa que conheci, em toda minha já longa vida, a utilizar a expressão “siá”, corruptela de sinhá, foi o velho e bom Gabriel.
– Boa tarde, “Seu” Gabriel! – Respondeu vovó, e foi logo alardeando a novidade:
– Sabe que hoje o Brasil ganhou da Itália?
Demonstrando certa incredulidade, o ancião foi enfático:
– Mas, “Siá” Maria… Eu nem sabia que o Brasil `tava em guerra!…
Por um momento reinou um constrangedor silêncio entre ambos, cada qual coçando a própria cabeça, com ares de preocupação, até que distraidamente tomaram seu rumo, meio que sem rumo, vovó pra dentro de casa, que a noite chegava a galope, e ele aligeirando o passo, buscar lenha pro fogão. 
Com certeza num outro dia retomariam a prosa, então com assuntos mais amenos, tipo "chove, não chove, que frio, que calor"… Essas coisas!


(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário