O Testamento do Lobisomem
(*) José Hildor Leal
Para quem não acredita em lobisomem, recomendo ler o livro do Dr. Serafim Machado, "Por que Acredito em Lobisomem", relatando sobre um testamento de uma mulher muito rica, Auristela Pereira Alves, solteira, sem filhos, sem pais, muito doente, com idade mental de 8 anos, pelo qual destinou todos os seus bens a favor de estranhos, em detrimento dos herdeiros legais.
O fato é verídico, acontecido em Cachoeira do Sul, minha Terra Natal.
Acho que em todas as cidades existe ao menos um lobisomem, havendo vasta literatura sobre o assunto, como "O Coronel e o Lobisomem", entre outras obras. Na música, Ney Matogrosso consagrou "O Vira", e em termos regionais, temos no Rio grande do Sul "O Lobisomem do Arvoredo", cantado por Mano Lima.
Quando piá, lá no meu Cerro Branco, muito ouvi falar do Propício, um velho de mais de 90 e tantos anos, que mesmo estando sempre à beira da morte não morria nunca, porque ninguém aceitava receber o "fado", como se dizia por lá, ou seja, enquanto não tivesse substituto para a lobisomisse o lobisomem vivia.
Depois, já trabalhando em cartório, eu próprio registrei o óbito do lobisomem, então com mais de 100 anos.
Tendo mudado para outra cidade, não imaginava eu que muito tempo depois da morte do Propício viesse a ser procurado por outro lobisomem para fazer o seu testamento.
Há pouco eu tivera conhecimento de sua existência por uma reportagem num periódico local, tratando de sua fama de vampiro, pelo fato de ser visto somente à noite, dentre outros indicativos.
Jovem, o homem não aparentava doença mental ou física, embora a palidez cadavérica e as unhas longas e afiadas. Tomadas as precauções para a validade ato, e certo da aptidão do indivíduo, tomei a termo suas disposições de última vontade, presentes duas testemunhas maiores e capazes, que o conheciam.
Declarando não ter herdeiros ascendentes ou descendentes, cônjuge, companheira ou companheiro, lhe foi possível dispor da totalidade de seu patrimônio, a quem quisesse, como bem entendesse. Por isso, determinou que a sua polpuda fortuna se destinasse ao canil de sua cidade, para acolher os cães de rua.
Sendo o testamento guarnecido por sigilo, por força de norma da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, vedada a sua publicidade enquanto vivo o testador, tomo a liberdade de somente agora relatar o fato em razão da morte do lobisomem, dia desses.
Agora ando matutando, porque outra vez não sei com quem ficou o fado passado pelo lobisomem, cruz credo.
E não me olhem com essa cara. Juro que não foi comigo.
(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário