HERANÇA ENTRE CÔNJUGES

HERANÇA ENTRE CÔNJUGES

HERANÇA ENTRE CÔNJUGES

                     (*) José Hildor Leal

O cônjuge será sempre considerado herdeiro necessário?

Sim. O cônjuge será sempre herdeiro necessário, seja qual for o regime de bens.

O artigo 1.845, do Código Civi brasileiro, espanca qualquer dúvida:

“São herdeiros necessários os descendentes, as ascendentes e o cônjuge".

Como se sabe, a lei não pode ser interpretada em tiras, mas como um todo. No caso, o artigo 1.845 precisa ser lido em conjunto com o artigo 1.829, em seus incisos I a III.

E assim vai se verificar que ainda que a lei trate o cônjuge como herdeiro necessário, nem sempre ele receberá herança.

I) Havendo descendentes, o cônjuge somente será herdeiro em concorrência com os descendentes, se casado por separação convencional, ou por comunhão parcial, nesse caso se o autor da herança tiver deixado bens particulares.

Se casado por comunhão universal ou separação obrigatória, não receberá herança, nessa hipótese, ou seja, havendo descendentes.

II) Na ausência de descendentes, o cônjuge herdará em concorrência com os ascendentes, qualquer que seja o regime de bens.

III) Não havendo nem descendentes e nem ascendentes, receberá toda a herança, qualquer que seja o regime.

Cabe lembrar, por último, que aos companheiros aplicam-se as mesmas regras do casamento no aspecto da sucessão.

(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário

ALTERAÇÃO DO NOME NAS ESCRITURAS DE UNIÃO ESTÁVEL

ALTERAÇÃO DO NOME NAS ESCRITURAS DE UNIÃO ESTÁVEL

                   Alteração de nome nas escrituras de união estável

                                                (*) José Hildor Leal

A alteração do nome dos companheiros, que somente era permitida para a mulher, com ordem judicial, consoante o art. 57, § 2º, da Lei dos Registros Públicos, passou a ser admitida também nas escrituras públicas declaratória de união estável, agora a qualquer um dos conviventes, independentemente de sexo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial 1.206.656-GO, reconheceu o direito à alteração do nome, em especial por considerar que a união estável deve se equiparar ao casamento, por aplicação analógica das disposições constantes no Código Civil à espécie, quando dispõe, no art. 1565, § 1º, que qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro, com a sua anuência, por escritura pública.

Com embasamento na decisão do STJ, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo foi pioneira na normatização do tema, ao editar provimento permitindo alteração por meio de sentença judicial ou por escritura pública de união estável, devendo haver o registro de qualquer delas no cartório do registro civil.

Também a Corregedoria-Geral do Rio Grande do Sul seguiu o entendimento, com a edição do Provimento nº 002/2017, disponibilizado no DJE de 19/01/2017, incluindo o Capítulo XVI na Consolidação Normativa Notarial e Registral – CNNR, regulamentando o procedimento de registro da união estável no livro “E” do registro civil das pessoas naturais, dispondo ser facultativo o registro da união estável mantida entre o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo, e que deverá constar no registro da sentença declaratória de reconhecimento e dissolução, ou extinção, bem como da escritura pública de contrato e distrato envolvendo união estável, além de outras informações, o nome que os companheiros passam a ter, em virtude da união estável.

Não resta a menor dúvida que os tabeliães de notas dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul estão abalizados, pelos respectivos órgãos corregedores, a inserir a alteração de nome dos companheiros, quando solicitados, e de igual modo os notários de outras unidades da federação, pelo entendimento manifestado pela Superior Tribunal de Justiça.

Negar aos conviventes a possibilidade de alteração do nome, por escritura pública, constitui verdadeira ofensa ao melhor direito, inobservância às normas institucionais e em especial à dignidade dos cidadãos.

(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário

ANUÊNCIA CONJUGAL E REGIME DE BENS

ANUÊNCIA CONJUGAL E REGIME DE BENS

                            ANUÊNCIA CONJUGAL E REGIME DE BENS

                                                               Melissa Halberstadt Leal (*)

Questão recente trazida a exame diz respeito a possibilidade ou não de um dos cônjuges fazer venda, sem assistência do outro, sendo casados pelo regime da separação convencional de bens desde antes da vigência do atual Código Civil brasileiro.

A dúvida surge porque o código revogado exigia a outorga do outro cônjuge para a alienação de bem particular, não recepcionada no atual diploma, quando for este o regime adotado.

Para a resposta, nos servimos do estudo que apresentamos já no ano de 2006, no curso de pós graduação em Direito Registral Imobiliário realizado em Porto Alegre (RS), pela Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc.

Na ocasião, foram examinadas as duas correntes doutrinárias, uma defendendo a necessidade de anuência, representada pelo saudoso tabelião paulista Antônio Albergaria Pereira, além dos gaúchos João Pedro Lamana Paiva e Ricardo Guimarães Kollet, e a outra, pela desnecessidade de outorga conjugal, externada por Silmara Juny Chinelato e Valestan Milhomem da Costa.

Na conclusão escrevemos que “... a nova regra veio para modernizar o sistema jurídico, pois não fazia sentido, no regime da separação convencional de bens, exigir a outorga do cônjuge para a alienação de bens exclusivos”.

Passados mais de dez anos, mantemos a mesma opinião, cada vez mais solidificada no meio jurídico.

(*) Bacharel em Direito

 

 

A FORMA DO SUBSTABELECIMENTO DE PROCURAÇÃO

A FORMA DO SUBSTABELECIMENTO DE PROCURAÇÃO

A FORMA DO SUBSTABELECIMENTO DE PROCURAÇÃO

José Hildor Leal (*)

O mandato público pode ser substabelecido por instrumento particular, assim como, inversamente, a procuração particular pode ser substabelecida pela forma pública.

Pergunta-se: ocorrendo o substabelecimento o mandato original permanece com a mesma forma conforme tenha sido primitivamente feito, ou passa a assumir a forma pela qual foi substabelecido? Ou, ainda, assume natureza híbrida, mista?

E mais: esses instrumentos xifópagos podem ser utilizados em atos para os quais a forma pública seja da sua substância, a exemplo do que é exigido pelo Código Civil brasileiro (art. 108) para a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País?

O Código Civil revogado, ao tratar da forma do substabelecimento, assim dispunha no art. 1.289, § 2º: “Para o ato que não exigir instrumento público, o mandato, ainda que por instrumento público seja outorgado, pode substabelecer-se mediante instrumento.   particular”.

O dispositivo possibilitava o substabelecimento particular, com uma única exceção: se o ato necessitasse de instrumento público para sua validade, igual teria que ser a forma do substabelecimento.

Considerando-se o princípio da atração da forma, além da exigência do substabelecimento público em tais casos, também o mandato deveria ter a mesma forma, pois se para o substabelecimento, ato derivado, era exigido, com igual razão o seria para a formação do contrato.


Enquanto no código revogado havia necessidade de forma pública para o substabelecimento visando ato que exigisse escritura pública, o NCC não trouxe a mesma disposição, agora estabelecendo para o substabelecimento, como regra geral, a liberdade de forma, contida no art. 655: “Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular”.

Resta assim saber se a permissão contida no art. 655 não encontra óbice de natureza formal para sua aplicação, em especial pela novidade trazida na primeira parte do art. 657 do código.

Se houver exigência de forma pública para o ato a ser praticado, ainda assim se pode fazer substabelecimento particular de mandato outorgado por instrumento público?

Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 593) admite a possibilidade: ... Assim, p. ex., embora se tenha outorgado uma procuração por instrumento público para venda de determinado imóvel, cujo contrato deve perfazer-se por escritura pública, o mandatário pode substabelecer por instrumento particular.

Em sentido contrário, Luiz Guilherme Loureiro (Contratos no Novo Código Civil, 2ª ed., São Paulo: Editora Método, 2004, p. 460) afirma que “quando a lei impor a forma solene (art. 657), o substabelecimento também deve se dar por escritura pública”.

O mandato outorgado por instrumento público previsto no CC 655 somente admite substabelecimento por instrumento particular quando a forma pública for facultativa e não integrar a substância do ato. (Jornada III STJ 182).

Penso que é pacífica a possibilidade do substabelecimento do mandato público pela forma particular. No entanto, o que não se pode admitir é que se tenha esse procedimento na hipótese em que a procuração venha a ser utilizada para a prática de ato que exija instrumento público como essencial à sua validade, pois em tal caso tanto a procuração quanto seus substabelecimentos terão que ter, obrigatoriamente, a mesma forma pública.

O art. 657 é categórico na afirmação de que a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Ao estabelecer essa obrigação para a outorga, isto é, para a origem da procuração válida, exclui o instrumento particular. E o art. 166, IV, declara ser nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei.

Se o ato a ser praticado exigir forma pública, o mandato deverá segui-la, por exceção à liberdade formal e por atração - princípio da simetria da forma, e assim também o substabelecimento, porque se o mandato somente vale pela forma pública, a sua derivação do mesmo modo. No substabelecimento quem transfere poderes que detinha é o mandatário, não mais o mandante, mas em última análise continua sendo uma manifestação do primeiro, quanto aos poderes conferidos, pois o procurador atua como mero intermediário, em representação daquele.

Feita a procuração pública para o ato que a exige, o seu substabelecimento deve ter igual forma pública, não valendo de outro modo. A lei exige a participação do notário na sua formação justamente para a segurança jurídica, que não pode ser olvidada no substabelecimento.

Inversamente, sendo outorgado o mandato pela forma particular para ato que exigir forma pública, o substabelecimento, ainda que por instrumento público seja feito, não terá o condão de alterar a forma original, que vai permanecer particular, inválida, insubsistente para o fim pretendido. E sendo nulo o instrumento primitivo, nulo igualmente o substabelecimento, por ser dele derivado.

(*) Tabelião, especialista em Direito Registral Imobiliário.

 

 

INVENTÁRIO, PARTILHA E TESTAMENTO

INVENTÁRIO, PARTILHA E TESTAMENTO

                                       Inventário, Partilha e Testamento

                                                             (*) José Hildor Leal

É possível inventário por escritura pública, havendo testamento? Para alguns notários e registradores, sim; para outros, não.

O Código de Processo Civil, no art. 982, com a redação trazida pela Lei nº 11.441/07, estabelece que “havendo testamento… proceder-se-á ao inventário judicial”.

E o art. 2.015, do Código Civil, dispõe que “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz”.

Não tenho feito escrituras de inventário e partilha, havendo testamento, por entender que a lei é taxativa, ou seja, o inventário terá que ser necessariamente judicial.

Antes da vigência da Lei nº 11.441/07, que admitiu o inventário administrativo, já era

possível partilha por escritura pública, por termo nos autos do inventário, ou, inclusive, por escrito particular, sendo partes capazes, e sempre com homologação do juiz.

Quanto a isso, parece, nada mudou. Se a partilha pode ser feita por instrumento particular, poderá ser feita por escritura pública. O que não se pode, entretanto, é confundir inventário, que é uma coisa, com partilha, que é outra coisa.

A lei permite partilha por instrumento particular, mas não admite inventário e partilha por instrumento particular. E se permite partilha por instrumento particular, com muito mais razão permite partilha por escritura pública.

É possível ir ainda mais longe: a lei admite partilha por instrumento particular mesmo havendo testamento. E se permite a partilha por instrumento particular, mesmo havendo testamento, com muito mais razão a permitirá por escritura pública, e, ainda, por termo nos autos do inventário.

E eis a questão – o inventário.

Ora, havendo testamento o inventário terá que ser, necessariamente, judicial, pena de entender-se possível também o inventário por instrumento particular, a exemplo da partilha.

Respondendo ao questionamento lançado no primeiro parágrafo, a resposta é não. Não é possível inventário por escritura pública, quando houver testamento. No máximo é possível a partilha por escritura pública ou particular, desde que homologada em juízo, isto é, nos autos do inventário.

Em resumo, de acordo com a letra fria da lei, havendo testamento proceder-se-á ao inventário judicial.

Por certo que a interpretação da lei é outra história, e muitas vezes tem-se a lei escrita como não escrita.

É o Direito, dizem!


(*) Tabelião, especialista em direito registral imobiliário.

EM NOME DO PAI E DA MÃE

EM NOME DO PAI E DA MÃE

                                         Em Nome do Pai e da Mãe

                                                      (*) José Hildor Leal

Pois o neto do filho da comadre da vizinha da mãe do meu amigo Anastácio voltou indignado do cartório, porque se recusaram a registrar o seu primogênito com o nome de Jacó Pereira da Silva, sob a alegação de que o nome do menino precisava ser Jacó da Silva Pereira, conforme a lei. Foi o que ele disse que disseram a ele.

José Pedro Pereira, neto do filho da comadre da vizinha da mãe do meu amigo Anastácio argumentou, diante da lei, que Maria da Silva, a mãe do filho dele, tinha escolhido o nome, e se ele voltasse pra casa com a certidão do rebento uma vírgula fora do lugar, o bicho pegava. Afinal, quem é que mandava em casa?

Não teve jeito, nem com reza braba o homem do cartório permitia o registro com o nome do pai na frente, exigindo na frente o nome da mãe, e por último o nome do pai, ou seja, Jacó da Silva Pereira, nunca Jacó Pereira da Silva.

Por isso o Anastácio sugeriu ao neto do filho da comadre da vizinha da mãe dele que viesse falar comigo, para ver o que eu tinha a dizer sobre a intenção de registrar o recém nascido como a mãe impunha que fosse registrado, Jacó Pereira da Silva.

Quando o neto do filho (etc..) relatou-me o fato desandei a dar risada, não dele, nem da agonia dele, mas só de imaginar a cara do agente responsável pelo registro negando-se a fazer o assento, sob o argumento que a lei não permite fazer, tipo a carranca de cachorro rosnento que fiz certa vez, quando recusei lavrar uma escritura declaratória de união estável a três, dois homens e uma mulher, ou o contrário, não lembro. Tudo porque a lei não permitia. Claro, hoje já pode.

Os homens da lei são assim, implacáveis no cumprimento da norma. Mas que eu acho muito engraçada a cara de quem nega o ato, com toda a seriedade, isso eu acho, e especialmente quando falta argumento legal para a recusa, porque afinal de contas onde está escrito, na lei, que a criança tem que ser registrada em nome da mãe e do pai, nessa ordem, e não em nome do pai e da mãe?

Ao contrário, a Constituição Federal garante iguais direitos a homens e mulheres, que podem livremente compor o nome do filho, e somente na hipótese de não haver indicação do nome completo é que o oficial fará uso da lei – inconstitucional, inclusive – e lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe (LRP, art. 55, par. único).

Daí que a única leitura possível desse dispositivo é que os pais são livres para escolher se o filho se chamará Jacó Pereira da Silva, com o nome do pai na frente e por último o nome da mãe, ou Jacó da Silva Pereira, forma tradicional, com o nome do pai encerrando o assunto.

O que é preciso entender é que hoje os tribunais determinam o registro da criança com duas mães e nenhum pai, ou com dois pais e nenhuma mãe, ou dois pais e uma mãe, ou uma mãe e dois pais, e seis avós, ou oito, e que nada impede que se registre uma criança em nome do pai e da mãe, nessa ordem, ou na ordem inversa, tanto faz.

O resto é burocracia. E desconhecimento da lei.

(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário 

DAÇÃO EM PAGAMENTO - USO EQUIVOCADO

DAÇÃO EM PAGAMENTO - USO EQUIVOCADO

                             Dação em Pagamento - Uso Equivocado

                                                                                   (*) José Hildor Leal

Há uso inadequado do instituto da dação em pagamento no meio notarial e de registros, na formação de diversos contratos imobiliários, em especial nas hipóteses que envolvem a entrega de terreno, pelo proprietário, para receber do incorporador, em troca, área construída no local.

Alguns tabeliães têm formalizado tais acordos por meio de escritura pública de compra e venda com promessa da dação em pagamento, a ser cumprida na conclusão do empreendimento, quando compra e venda não pode ser, e sendo troca, o instituto que melhor reflete o negócio entabulado pelos contratantes é a permuta.

Não pode ser compra e venda porque esta exige pagamento em dinheiro, conforme dispõe o Código Civil brasileiro, art. 481: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

Também não pode ser dação em pagamento porque esta pressupõe sempre um contrato não cumprido. Outra não é a interpretação lógica do art. 356 do código, quando estabelece que “o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida”.

Portanto, a dação em pagamento, ou "datio in solutum", é modalidade extintiva de obrigação, não sendo admissível na formação do contrato, mas apenas e tão somente na sua conclusão, quando o devedor for inadimplente com relação à dívida assumida, e para cumprir a prestação oferece ao credor outra coisa, móvel ou imóvel, ficando ao critério deste aceitar ou não a oferta (art. 313), podendo recusá-la, ainda que mais valioso o bem oferecido, e exigir o pagamento pela forma originalmente ajustada.

Aliás, tanto se dá razão ao exposto que a forma dos negócios vem disciplinada no título que trata das várias espécies de contrato, no Código Civil, a partir do art. 481, e a dação em pagamento se encontra no título que cuida do adimplemento e extinção das obrigações. Assim, sequer se pode chamar a dação em pagamento de contrato inominado. Não sendo compra e venda, por não haver pagamento em dinheiro, e nem dação em pagamento - ainda que se possa aplicar a ela os princípios da compra e venda, e muito menos doação, por não ser gratuito, sem dúvida que o negócio entabulado é de permuta, pois como dizem os próprios contratantes, na linguagem coloquial, o proprietário “dá em troca” o terreno. E a troca, ou permuta, se dá pela entrega de bem atual por bem futuro, e sendo certo ainda que à troca, ou permuta, aplicam-se as regras da compra e venda (art. 533), então é certo também que “pode ter por objeto coisa atual ou futura” (art. 483).

Concluída a obra, será necessária nova escritura, podendo ser nominada como “escritura de contraprestação de permuta”.

Aos contratantes, experts em negócios, mas leigos quanto aos aspectos legais e técnicos do direito contratual, não interessa o meio pelo qual seja formalizado o acordo entre eles. Aos tabeliães, porém, como profissionais do direito responsáveis pela organização técnica e administrativa dos serviços, objetivando segurança, validade e eficácia dos negócios jurídicos, incumbe a correta prática dos atos que lhe são confiados.

Ou não serão tabeliães, mas mero copiadores de minutas mal redigidas.

(*) Tabelião de Notas, Especialidta em Direito Registral Imobiliário 

RECONHECIMENTO DE FIRMA E CONTRATOS INVÁLIDOS

RECONHECIMENTO DE FIRMA E CONTRATOS INVÁLIDOS

                         Reconhecimento de Firma e Contratos Inválidos 

                                                (*) José Hildor Leal

Há temas que estão longe de ter entendimento pacífico entre profissionais dos diversos campos da atividade humana, como ocorre no meio de notas quanto à possibilidade do tabelião dar curso ou negar o reconhecimento de firma em contratos, recibos, declarações e outros papéis que apresentam conteúdo inválido, ilegal, imoral ou atentatório aos limites de dignidade humana.

A título de exemplo, foi negado o reconhecimento de firma em uma procuração para fins de casamento, sob o argumento de que a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado (art. 657 CC).

Contrariada, e tendo matrimônio agendado em outra unidade da federação, onde não poderia se fazer presente no dia e hora agendados, a pessoa dirigiu-se a um segundo serviço de notas, que fez o reconhecimento solicitado, sem nenhuma dificuldade.

Qual tabelião agiu de acordo com os princípios éticos e morais que norteiam a atividade?

De forma resumida, reconhecimento de firma é a declaração de autoria da assinatura em documento, com o que o segundo tabelião nada mais fez do que a prestação do serviço que lhe foi solicitado.

Para Humberto Theodoro Júnior "a presunção de veracidade acobertada pela fé pública do oficial só atinge aos elementos de formação do ato e a autoria das declarações das partes, e não ao conteúdo destas mesmas declarações..." (Curso de Direito Processual Civil – vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pag. 446).

Por outro lado, a Consolidação Normativa Notarial e Registral do Estado do Rio Grande do Sul determina que “os tabeliães só poderão lavrar ou autenticar, inclusive por reconhecimento de firmas, atos conforme a lei, o direito e a justiça” (art. 585).

A tabeliã Sheila Luft Martins, sobre a função notarial, ensina que “uma das principais características da atividade notarial, que reflete inclusive um de seus alicerces, é a segurança jurídica proporcionada pela participação do tabelião, profissional do Direito, isento e detentor de fé pública”.

De posse da procuração particular, o mandatário compareceu para a cerimônia de casamento do mandante, quando deu-se o problema, eis que o cartório do registro civil exigiu instrumento público (art. 1.542 CC).

Papéis particulares que afrontam a lei, o direito e a justiça, quando possíveis de verificação imediata, devem ter negado o acesso no serviço de notas, até porque a participação do tabelião, ainda que seja meramente reconhecendo a firma, sem entrar no mérito do conteúdo, acaba gerando uma falsa presunção de veracidade, ao leigo.

O TJ/RS, em sentença confirmada pelo STJ (REsp nº 1.453.704), reconheceu que "a falha na prestação do serviço prestado pelo tabelião gera um sentimento negativo no cidadão, que é suficiente para abalar um dos atributos da personalidade, a honra subjetiva".

Não se pode esquecer que o art. 1º da Lei 8.935/94 preceitua que os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Por isso, e não sendo pacífica a doutrina, deve o tabelião observar a sua função social.

(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário 

SEPARAÇÃO DE BENS ERROS DE INTERPRETAÇÃO

SEPARAÇÃO DE BENS ERROS DE INTERPRETAÇÃO

                             Separação de Bens e Erros de Interpretação 

                                                 (*) José Hildor Leal

Admitir falhas não é fácil, assim como é difícil criticar erros alheios, em especial quando se trata de equívocos cometidos por colegas, no caso, notários e registradores.

Se o erro é escusável, o mesmo não se pode dizer de quem não observa a sua condição de profissional do direito responsável pela organização técnica e administrativa dos serviços destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, nos termos da Lei 8.935/94.

Não é possível conceber que o registrador civil emita uma certidão de casamento informando o regime da separação total de bens, quando se trata de separação obrigatória. E com a informação equivocada, o tabelião, desatento, lavrou escritura pública de compra e venda pela qual um dos contraentes fez a aquisição de uma unidade imobiliária, consignando ser casado pelo regime da separação total.

E a escritura foi registrada.

Verifica-se aí uma sequência de erros cometidos pelo registrador civil, pelo tabelião de notas, e por último, pelo registrador de imóveis. Do primeiro, ao informar erradamente o regime. Do segundo, porque não atentou para o erro do primeiro. E do terceiro, que seguiu a literalidade da escritura pública, sem exigir prova da adoção do regime de separação total, o que somente se dá através de pacto antenupcial, sendo ainda necessário o seu registro.

Feito o imbróglio, fui procurado pelo adquirente com a ideia de vender o imóvel sem a participação do outro cônjuge, alegando que por ser casado pelo regime da separação total, não há que se falar em comunicação patrimonial (art. 1.687).

O casamento foi celebrado em 2001, quando o varão contava com 64 anos de idade, motivo pelo qual foi feito sob o regime da separação obrigatória – somente a partir de 2010 a idade limite foi aumentada para 70 anos, através da Lei 12.344/10 – e não da separação total, como foi certificado por erro do registrador civil.

O correto, portanto, uma vez que o imóvel foi havido no curso do casamento, é que passou a pertencer a ambos os cônjuges, meio a meio, em comunhão de aquestos, por força da Súmula 377, do STF, e não somente ao que constou no título como outorgado comprador.

Diante disso, penso ter feito um esclarecimento necessário, porque embora o tema possa parecer trivial aos que operam com notas e registros, não é o que a prática tem demonstrado, em grande número de casos.

Não é possível que justamente quem seja encarregado de aplicar a lei desconheça o seu significado e as suas consequentes implicações no mundo jurídico, em prejuízo da paz social.

Embora doloroso, às vezes é preciso colocar o dedo na ferida, como um alerta necessário.

(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário 

O TESTAMENTO DO LOBISOMEM

O TESTAMENTO DO LOBISOMEM

                                         O Testamento do Lobisomem

                                                         (*) José Hildor Leal

Para quem não acredita em lobisomem, recomendo ler o livro do Dr. Serafim Machado, "Por que Acredito em Lobisomem", relatando sobre um testamento de uma mulher muito rica, Auristela Pereira Alves, solteira, sem filhos, sem pais, muito doente, com idade mental de 8 anos, pelo qual destinou todos os seus bens a favor de estranhos, em detrimento dos herdeiros legais.

O fato é verídico, acontecido em Cachoeira do Sul, minha Terra Natal.

Acho que em todas as cidades existe ao menos um lobisomem, havendo vasta literatura sobre o assunto, como "O Coronel e o Lobisomem", entre outras obras. Na música, Ney Matogrosso consagrou "O Vira", e em termos regionais, temos no Rio  grande do Sul "O Lobisomem do Arvoredo", cantado por Mano Lima.

Quando piá, lá no meu Cerro Branco, muito ouvi falar do Propício, um velho de mais de 90 e tantos anos, que mesmo estando sempre à beira da morte não morria nunca, porque ninguém aceitava receber o "fado", como se dizia por lá, ou seja, enquanto não tivesse substituto para a lobisomisse o lobisomem vivia.

Depois, já trabalhando em cartório, eu próprio registrei o óbito do lobisomem, então com mais de 100 anos.

Tendo mudado para outra cidade, não imaginava eu que muito tempo depois da morte do Propício viesse a ser procurado por outro lobisomem para fazer o seu testamento.

Há pouco eu tivera conhecimento de sua existência por uma reportagem num periódico local, tratando de sua fama de vampiro, pelo fato de ser visto somente à noite, dentre outros indicativos.

Jovem, o homem não aparentava doença mental ou física, embora a palidez cadavérica e as unhas longas e afiadas. Tomadas as precauções para a validade ato, e certo da aptidão do indivíduo, tomei a termo suas disposições de última vontade, presentes duas testemunhas maiores e capazes, que o conheciam.

Declarando não ter herdeiros ascendentes ou descendentes, cônjuge, companheira ou companheiro, lhe foi possível dispor da totalidade de seu patrimônio, a quem quisesse, como bem entendesse. Por isso, determinou que a sua polpuda fortuna se destinasse ao canil de sua cidade, para acolher os cães de rua.

Sendo o testamento guarnecido por sigilo, por força de norma da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, vedada a sua publicidade enquanto vivo o testador, tomo a liberdade de somente agora relatar o fato em razão da morte do lobisomem, dia desses.

Agora ando matutando, porque outra vez não sei com quem ficou o fado passado pelo lobisomem, cruz credo.

E não me olhem com essa cara. Juro que não foi comigo.

(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário