A MORTE DO DESCONHECIDO E O REGISTRO DE ÓBITO
(*) José Hildor Leal
Ninguém sabia quem era. Apareceu morto, no meio da rua.
Quando a polícia chegou não tinha mais o que fazer, a não ser saber quem era o defunto.
Em cidade pequena todo mundo conhece todo mundo. A notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora. Chegou o pároco, o prefeito se aproximou, chamaram o doutor, vieram compadres e comadres, todo mundo.
Ninguém sabia quem era.
Tiveram que mandar o cadáver para outra cidade, porque no lugar não havia médico legista. Feita a necropsia, voltou o defunto para ser sepultado.
Foi daí que se deu o imbróglio. O cemitério negou-se a fazer o enterro, sob a alegação que “nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial do registro civil do lugar do falecimento...” (Lei dos Registros Públicos, artigo 77).
E agora, fazer o quê? O morto não tinha identidade, nenhum documento, nenhum conhecido, nenhum nome para ser declarado no registro.
Ninguém sabia quem era.
A solução foi ir ao cartório para saber o que tinha a dizer sobre o problema o responsável pelo serviço. E lá foi tudo resolvido.
Justifica-se a importância dos cartórios, tanto que em cada sede municipal deve haver no mínimo um registrador civil das pessoas naturais (Lei 8.935/94, artigo 44, § 2º).
O registrador explicou que por lei a autoridade policial é obrigada a fazer a declaração de óbito a respeito de pessoas encontradas mortas (artigo 78, 6º, da LRP).
Orientou que em hipóteses assim o registro deve ser feito com todas as informações possíveis, como estatura ou medida do desconhecido, se for possível, cor, sinais aparentes, idade presumida, vestuário e qualquer outra indicação que possa auxiliar de futuro o seu reconhecimento, a indicação de ter sido achado morto, o lugar onde se achava o corpo e o da necropsia (artigo 81).
Diante disso, o policial designado pela guarnição foi o declarante no registro, gratuito, diga-se de passagem, com a informação do sexo e outros elementos que foram apurados, para eventual identificação futura.
O sepultamento foi feito, enfim, com grande acompanhamento de curiosos e para alívio de todos, que aguardavam um final feliz – se é que assim se pode dizer – para o pobre coitado.
Quando o padre terminou a rápida ladainha, um gaiato ainda rabiscou o último epíteto em uma tosca cruz de madeira cravada sobre a sepultura:
“Quem saberá quem era?"
E se algum dia alguém souber quem era, o registro de óbito deverá ser retificado, por ordem do juiz, para identificar o defunto.
Até lá, que descanse em paz.
(*) Tabelião de Notas e Protestos de Vera Cruz (RS)