VENDA POR NÃO DONO – SIM OU NÃO

       VENDA POR NÃO DONO – SIM OU NÃO

                                     VENDA POR NÃO DONO – SIM OU NÃO
                                                       José Hildor Leal (*)
Quem não registra não é dono. Assim estava escrito nas capas das escrituras públicas no início de meu aprendizado em cartório, servindo como alerta ao adquirente do imóvel para que o quanto antes desse o título a registro, sem o que não era dono.
Pois situação interessante, trazida à discussão entre notários e registradores, diz respeito à lavratura de escritura de compra e venda de imóvel por quem possui título ainda pendente de registro. Para a maioria dos tabeliães participantes do debate a resposta é positiva, ou seja, pode ser feita a venda, desde que seja consignado na escritura que somente será ela registrada simultaneamente com a outra.
A justificativa dada refere a Lei dos Registros Públicos – ainda que os tabelionatos de notas não sejam destinatários dela – quando consigna:
“Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
Posicionei-me como parte minoritária, justificando especialmente com o que determina a Consolidação Normativa Notarial e Registral, da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul (Provimento 01/2020), ao estabelecer:
“Art. 858. Para a lavratura de escrituras relativas a imóveis, o título anterior deve estar registrado no Registro de Imóveis, a fim de preservar o princípio da continuidade registral”.
A norma traz uma exceção, no seu parágrafo único, quando excepciona-se essa obrigatoriedade na hipótese de negócios simultâneos e sucessivos, vale dizer, se no mesmo tabelionato, no mesmo dia, em atos imediatamente seguintes, aquele que figura como comprador pode, simultaneamente, fazer a venda sem que esteja registrada a aquisição.  
Ao referir-se a “obrigatoriedade”, parece que a não observância da norma poderia caracterizar seu descumprimento, assumindo o tabelião os riscos daí resultantes.
Mas, por qual razão estaria inserida na consolidação notarial e registral gaúcha a vedação? 
Por certo motivo deve haver, especialmente considerando-se que sua elaboração contou com a participação, além dos membros do órgão judiciário, também de notários e registradores altamente qualificados, indicados pelos diversos órgãos de representação da classe. 
Poderia se justificar, talvez, pelo próprio Código Civil brasileiro, ao dispor: 
“Art. 1.227. Os direitos reais constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.
E o artigo 1.245 esclarece que “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”, enquanto o parágrafo primeiro justifica a frase que abriu este breve estudo – quem não registra não é dono - ao referir que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.
Tanto é verdade que se duas pessoas fizerem a aquisição, em atos separados, o primeiro a registrar sua escritura será o dono do imóvel, ainda que a escritura seja posterior à outra, visto que o domínio dos imóveis somente se transfere com o registro do título (artigo 1.267, do Código Civil brasileiro).
O Supremo Tribunal Federal também já decidiu de fato que “quem não registra não é dono”. (MS 28.160)
Então, se o sujeito não é dono, pela falta do registro, em decorrência do que não possui o domínio, vale dizer, não tem a propriedade, que somente decorre do registro, poderia isso caracterizar “venda a non domino”?
Outros motivos por certo foram examinados na elaboração da norma gaúcha, tais como, por exemplo, eventuais vícios insanáveis quanto ao primeiro título, de modo a obstar seu registro, e por consequência que o segundo seja registrado, dentre tantas outras hipóteses possíveis.
Por tais motivos vejo como temerário o tabelião lavrar escritura pública de imóvel cujo transmitente, ainda que detenha título válido pendente de registro, não esteja legitimado como dono da coisa.
Fica a pergunta: “Quem não é dono pode vender”?
E a resposta, como sempre, deverá estar na lei.
(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário