UNIÃO ESTÁVEL, ESCRITURA E REGISTRO
José Hildor Leal (*)
Mesmo que a lei seja única e as normas administrativas tracem parâmetros de conduta para um procedimento minimamente padronizado, muitas vezes tabeliães e registradores interpretam de modo diferente a materialização do ato praticado.
As situações do cotidiano humano se modificam, atropeladas pela dinâmica da vida, para o que as leis devem constantemente se adequar, a exemplo da união estável, até pouco tempo um tabu, hoje uma realidade consolidada, ao ponto de ter o Supremo Tribunal Federal a igualado ao casamento, inclusive no aspecto sucessório.
O casamento continua a exigir o rito formal, enquanto a união estável é fato, e como tal, sequer necessita de contrato escrito para seu reconhecimento e produção de efeitos legais, ressalvadas algumas poucas situações.
No Rio Grande do Sul, desde a vigência do Provimento 01/2020, da Corregedoria-Geral da Justiça, que instituiu a Consolidação Normativa Notarial e Registral, a união estável passou a ser regrada para os efeitos de escritura pública e registro.
No que tange ao registro civil, o artigo 229 dispõe que “é facultativo o registro da união estável prevista nos artigos 1.723 e 1.727 do Código Civil...”. Assim, desde logo se afasta a exigência de registro no livro “E”, mera faculdade dos conviventes, não obrigação.
Com relação ao registro de imóveis, verifica-se lapso relativo à união estável na redação do artigo 500, cujo item III dispõe que a qualificação da pessoa física compreende o estado civil, e sendo casado, o nome do cônjuge, sua qualificação, regime de bens e registro do pacto antenupcial, quando for o caso, assim tendo pecado por omissão.
O dispositivo deveria ser a seguinte:
“O estado civil, e sendo casado ou havendo união estável, o nome do cônjuge ou companheiro, sua qualificação, data do início da convivência, regime de bens e registro do pacto antenupcial ou contrato patrimonial, quando for o caso”.
Melhor disposição se encontra no artigo 522, quando trata do registro e averbação das escrituras e pactos patrimoniais de união estável.
Com relação ao tabelionato de notas, o artigo 868 cuida de modo suscinto a união estável, referindo que “a escritura conterá a qualificação de todas as partes... existência de união estável, indicação do regime de bens, quando pertinente...”.
Desde logo se observa que a informação exigida é sobre haver união estável, não de sua não existência, e assim não sendo procedente a impugnação da escritura, pelo registro de imóveis, pelo fato de não ter constado informação de não ter união estável. A norma somente a exige em caso positivo.
Claro, por cautela e medida de maior clareza deve o tabelião fazer constar a declaração positiva ou negativa, para o que fica a seguinte sugestão de leitura do dispositivo:
“Qualificação de todas as partes, contendo nome, CPF, existência ou não de união estável, e em caso positivo o nome e a qualificação do companheiro, a data de início, a informação quanto a contrato escrito e regime de bens, e em havendo, se declarada por instrumento particular ou público, nesse último caso o tabelionato onde foi feito, número e folha; na ausência de contrato escrito, o regime de bens será da comunhão parcial, nos termos do artigo 1.725, do Código Civil brasileiro, ou da separação obrigatória, conforme artigo 1.641”.
Estas informações são de grande valia, especialmente com relação ao regime de bens que exija registro do pacto ou convenção sobre o regime patrimonial.
Em conclusão:
a) Não há obrigatoriedade de registro do ato declaratório de união estável no livro “E”, do registro civil, sendo mera opção das partes.
b) O tabelião não está obrigado a prestar informação negativa de união estável, embora para maior clareza seja recomendável que o faça.
c) O tabelião deve consignar, nas situações declaradas de união estável, a data de seu início, se há ou não contrato escrito, e em havendo, se público, o tabelionato que o lavrou, data, número e folha, e se particular, a data.
d) Havendo pacto patrimonial, o documento declaratório de união estável deverá acompanhar o traslado da escritura, para efeitos do registro a que se reporta o artigo 167, da Lei dos Registros Públicos.
(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário