José Hildor Leal (*)
A coisa é séria! A Silvanira, titular de registros e notas em Acarapé, no Ceará, sempre conta histórias pitorescas do cotidiano da atividade, desde marmanjos que querem constituir namoramento por escritura pública com cláusula proibitiva de gravidez, até jumentos comedores de livros cartorários.
Sobre o primeiro tópico divulgamos faz tempo um texto com o título “Contrato de Namoro em Cartório”, publicado no blog do Colégio Notarial do Brasil, Conselho Federal. Era coisa novidadeira na época, hoje é fato comum.
Porém agora o assunto é outro, muito mais sério. O jumento comeu os livros do cartório de um colega do interior cearense, que secavam ao sol.
Aconteceu que numa noite de junho de 2021 veio uma chuvarada com vento, e o teto da humilde sede do cartório não suportou o aguaceiro; a água desceu pelas paredes, invadiu o armário e molhou os livros.
E assim como choveu de noite, de dia o sol raiou esplendoroso, bem quentinho, com o que os livros foram postos ao sol, para o devido enxugamento.
E foi aí que sucedeu a desgraceira. Enquanto os livros secavam ao sol, sob o olhar vigilante do colega, por um momentinho só teve ele que atender um cliente, e quando voltou os livros não estavam mais lá; só estava lá um jumento ainda lambendo os beiços, empanturrado de livros.
Mas olhem se não é ironia. No mesmo dia em que se noticiou este fatídico acontecimento, também se divulgou que um cartório gaúcho transformou um imóvel em um código, chamado de token, e registrou-o em blockchain, tecnologia que avança puxada pelo bitcoin, ficando uma espécie de livro livre de jumentos, ao menos de jumentos de quatro patas.
Como pediram minha opinião sobre essa nova tecnologia, manifesto-me para dizer que de jumentos até posso entender um pouco. De blockchain não sei nada, por enquanto.
Mas só por enquanto, porque a Corregedoria-Geral da Justiça do Rio Grande do Sul editou o Provimento número 038/2021, autorizando os tabeliães de notas a que lavrem escrituras públicas de permuta de imóveis com contrapartida de tokens/criptoativos.
Que se atinem os tabeliães que não quiserem ser símbolo de ignorância blockchainista, nas palavras de Odorico Paraguassu, ou como me defino, quadrúpede de duas patas, quando o assunto é blockchain.
A coisa é séria, muito mais séria que um jumento engolidor de livros.
(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário