As coisas lindas do amor e da idade
(*) José Hildor Leal
Correu notícia, num dia desses, que um tabelião foi condenado a pagar cento e vinte mil Reais porque autorizou a lançar, em seu livro de notas, uma escritura pública declaratória de união estável entre um homem com 28 e uma mulher com 92 anos de idade, tendo os conviventes declarado que já estavam havia mais de dez anos nessa situação, quer dizer, ele desde antes dos 18, e ela quase uma guria, com pouco mais de 80 anos.
Primeiro não acreditei, mas a fonte era segura.
A única coisa possível de compreensão, diante do fato, é que o amor é lindo. Não tenho nada contra as pessoas que se apaixonam, muito antes pelo contrário, ainda que uma não tenha nem 18 anos, e a outra já tenha ultrapassado os 80.
Afinal de contas, o que são 64 anos de diferença, senão uma bagatela?
Para quem tiver tempo de pesquisar e interesse na leitura, pode encontrar o enredo completo no Processo nº 2016/2168892 (origem nº 0048142-07.2015.8.26.0100 – 2ª Vara de Registros Públicos) - São Paulo.
Agora pergunto o que aconteceria se o tabelião, ao contrário de atender o pedido dos enamorados, tivesse recusado dar curso ao que lhe foi pedido?
Muito possivelmente seria denunciado por discriminação ao idoso, processado e julgado culpado, o mais provável.
O Estatuto do Idoso é bem claro, no seu artigo 2º: “O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Em outras palavras, como proibi-lo de amar? Logo de amar, tão lindo que é amar!
No entanto não se pode esquecer que o tabelião foi condenado a pagar R$ 120.000,00 porque registrou e deu fé pública sobre a situação declarada pelos viventes.
É o risco da profissão. Muitas vezes os profissionais do direito que atuam com notas e registros se veem em situações assim, ameaçados por uma faca de dois gumes, entre o fazer e o deixar de fazer. É aquela velha história: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
No caso exposto, o juiz entendeu que o tabelião deveria ter desde logo verificado indícios de fraude, como por exemplo a pretensão do varão em receber pensão da previdência social, pela morte da companheira, e por isso a condenação.
Assim, entre ficar ou correr, nenhuma coisa e nem outra. A lei é bem clara: o tabelião tem a missão de tomar a termo e dar validade ao que lhe for solicitado, formalizando juridicamente a vontade das partes.
O resto depende da posição do juiz.
(*) Tabelião, Especialista em Direito Registral Imobiliário