José Hildor Leal (*)
Notários e registradores discutiam, até bem pouco tempo, sobre a possibilidade de adotar regime de bens com efeitos retroativos, nas escrituras públicas ou mesmo em documentos particulares de declaração de união estável, até então sem contrato escrito.
É certo que união estável é fato que decorre da vontade de duas pessoas em constituir família, através da convivência pública, contínua e duradoura, sequer exigindo documento escrito, o que se aconselha seja feito para facilitar a prova de sua existência, além de estabelecer regras, a exemplo do regime de bens quando a intenção é que seja diverso do legal.
O artigo 1.725, do Código Civil brasileiro, dispõe que “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às suas relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Este é o chamado regime legal, pelo qual há comunicação dos bens adquiridos a título oneroso, na constância da união estável, por qualquer um dos companheiros – os chamados bens aquestos, ressalvadas algumas situações, como sub-rogação, e ficando afastados os bens havidos em herança, ou por doação, que formarão patrimônio particular do respectivo titular.
A dúvida que pairava sobre a retroatividade ou não do regime de bens, a partir do momento da elaboração de documento escrito, acabou sendo espancada por recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça - STJ, em novembro de 2021 (REsp 1.845/MS), ao entendimento de que na união estável o regime diverso do legal não retroage à data do início da convivência.
Com essa decisão, não sendo admitido modificar o regime de bens da união estável com eficácia retroativa, os tabeliães de notas devem se abster de lavrar escrituras públicas estabelecendo retroatividade, se não for confirmada a continuidade da comunhão parcial até ali vigente por força de lei (ou da separação obrigatória, quando aplicável), pena de acarretar problemas futuros aos conviventes ou mesmo a terceiros, além da negativa de registro da convenção no cartório de imóveis– artigo 167, da Lei de Registros Públicos.
Observe-se que a decisão deve alcançar atos anteriormente celebrados, ainda que registrados, inclusive com repercussão no direito sucessório entre os conviventes.
É obrigação dos notários a prestação de assessoria jurídica e garantia de segurança jurídica quanto aos atos de sua responsabilidade, devendo se recusada a prática daqueles que se mostrem contrários às decisões emanadas dos tribunais superiores, a constituir jurisprudência.
(*) Tabelião de Notas, Especialista em Direito Registral Imobiliário